Vivemos tempos difíceis, tempos em que valores humanos e sociais estão sendo esquecidos, tempos em que clamamos por nossos direitos e não observamos nossos deveres.
Vivemos em uma sociedade que se orgulha de deter um dos mais completos ordenamentos jurídicos no que diz respeito ao estabelecimento de direitos do ser humano, fazendo com que vivamos em uma verdadeira “era dos direitos” ou “sociedade dos direitos”, desenvolve-se uma consciência coletiva de que cada um de nós e todos nós a um só tempo somos titulares dos mais variados direitos.
Exigimos os direitos a um trânsito seguro, a um meio ambiente equilibrado, a uma cidade aprazível ao mesmo tempo em que desrespeitamos a preferência de pedestres, deixamos de separar os resíduos de nossas residências e abandonamos os cuidados até mesmo das calçadas e dos jardins de nossas casas.
Este constitui um dos mais importantes e devastadores paradoxos da sociedade brasileira: vangloria-se de seus direitos e exige cumpridamente sua garantia, ao mesmo tempo em que não reconhece e não observa seus mais comezinhos deveres.
Quando falo a jovens estudantes sobre as questões relacionadas aos direitos e à justiça, costumo relacionar a vida dos seres humanos com a vida dos direitos: digo a eles que os deveres são tão fundamentais aos direitos quanto o oxigênio à vida humana.
Da mesma forma que a vida humana não se desenvolve sem oxigênio, os direitos não se sustentam sem a observância dos deveres.
Então, os direitos não vivem sem que se realizem os deveres que os sustentam.
Em outras palavras, quando se observa a “crise dos direitos” em uma sociedade, deve-se ter em conta que esse sintoma ou essa doença tem uma causa muito bem definida: a desvalorização dos deveres.
A crise dos deveres começa na família, quando deixamos de transmitir valores positivos aos nossos filhos, como a necessidade de respeitar o próximo, de não discriminar ou constranger pessoas em razão de suas convicções e escolhas, que não devemos promover algazarra ou perturbar de qualquer modo o sossego alheio, danificar bens públicos ou privados, ingerir bebida alcoólica em locais públicos, entre outros.
Exatamente por esse motivo, pela falta de um pacto social que estabeleça claramente os comportamentos que admitidos e que não desejamos, em razão da profunda crise ética e moral experimentada pela família, pelas escolas e pelas instituições públicas e privadas, vivemos em uma sociedade absolutamente desregrada, onde o respeito ao próximo e ao direito do outro são deixados para segundo plano.
O convívio social, os valores humanos e sociais, a civilidade e a paz estão gravemente ameaçados por essa série de questões que acabei de denunciar.
Ao lado dessa grave realidade, inaugura-se, em Pelotas, uma política pública sólida e séria de inclusão social, com o incremento da proteção social à infância, à juventude e ao cidadão em situação de vulnerabilidade social, com a humanização dos presídios e a oferta de oportunidade de trabalho ao egresso do sistema prisional.
Para além da inclusão social, precisamos ver reforçados a regulação, o controle e a fiscalização das condutas permitidas e vedadas ao convívio social, com a construção de um código de convivência, bem assim buscar a repressão eficiente e inteligente dos crimes, com ações integradas das polícias e do sistema de justiça.
Tem-se, assim, o Código de Convivência como o instrumento necessário para restabelecer o pacto social, os valores que devem ser observados no convívio humano, esquecidos ou deixados de lado por muitos.
O que se pretende com o Código de Convivência é deixar bem claro, reavivar, sublinhar, pontuar as condutas que são desejadas pelas pessoas no convívio social e aqueles comportamentos que não admitimos no convívio comunitário e democrático.
Está escrito no Código de Convivência que não devemos ofender ameaçar outras pessoas, expor mulher a situação vexatória, portar simulacro de arma de fogo, praticar vias de fato, perturbar a tranquilidade, consumir bebidas alcoólicas em parques e praças em qualquer horário e em via pública após as 22 horas, que não devemos depredar o patrimônio, deixar de recolher dejetos de animais, deixar de acompanhar os filhos menores da escola, entre outros.
Creio que ninguém que valorize o direito do outro e queira uma cidade pacífica possa ser contra essas vedações.
É claro que as famílias, as escolas e a sociedade como um todo deverão trabalhar essas questões.
Precisamos, enquanto sociedade, recuperar a civilidade perdida, reconstruir as relações de respeito e o pacto social: é exatamente isso que busca o Código de Convivência a ser debatido proximamente no Legislativo Pelotense.
Vamos reescrever as normas que devem ser observadas no convívio social. Vamos nos reeducar enquanto sociedade.
O que se espera é que os cidadãos pelotenses repensem suas condutas e ajam conforme pretende o pacto social, respeitando o próximo e o direito do próximo.
É o Código da liberdade. Esta somente existe quando exercida com responsabilidade e de modo a não ferir o direito do outro.
E àqueles que não quiserem observar as normas de convívio democrático serão responsabilizados por isso, por meio da sanção que será a multa a ser aplicada pelo poder Público e que reverterá para o fundo municipal de segurança pública.
Há outra forma de se educar o indivíduo a não ser com diálogo, estabelecimento de regras de convívio, fiscalização e responsabilização? Sinceramente, desconheço.
Dizer que o Código de Convivência é autoritário, contra a liberdade, arrecadatório e coisas do gênero é duvidar a inteligência e do bom senso da comunidade pelotense.
Saúdo, assim, com muita alegria e esperança, o “Código de Convivência de Pelotas” e conclamo o poder público e toda a sociedade ao efetivo trabalho para a construção da paz em nossa cidade.
Texto: Marcelo Malizia Cabral, Juiz de Direito Diretor do Foro da Comarca de Pelotas, RS – maliziacabral@gmail.com.
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